Grave o seu nome, seu traço e reconheça a sua cor preferida. Num instante seguinte, mude de cor e de traço; se quiser, mude até a forma como desenha o seu nome. Descubra a liberdade de se transformar e de fazer a sua própria história”.

Helio Rodrigues


quarta-feira, 13 de maio de 2009

“A TRANSFORMAÇÃO DAS ARMAS” (na comunidade do Jacarezinho)

Pensando nas propriedades transformadoras da arte, acho importante comentar uma experiência vivida em 2007, durante o processo de evolução do projeto social “Eu sou”, quando foi se tornando inviável a continuidade do programa que havíamos criado, em função de um interesse quase unânime pelas armas, nos grupos que atendemos naquele ano.
Ao notarmos que as crianças e jovens vinham produzindo escondido, “armas”de argila , esclarecemos a todos que em se tratando de arte nada era proibido num espaço de criação como o nosso e por isso eles não precisavam esconder esse interesse. No entanto, era importante lembrar, que o que eles vinham fazendo não era exatamente arte, mas tentativas de cópias de armas originais. Não havia na atitude deles, a transformação que caracteriza a arte, assim sendo, preferíamos que eles utilizassem, ou ao menos tentassem, dirigir esse interesse para ações verdadeiramente artísticas.
Em meio ao caos formado de muitas falas emboladas, risos e “denúncias”, nós trouxemos alguns exemplos de quando se faz cópia e quando se faz arte. Em vão; ao contrário do que se esperava, com a liberação estabelecida, o projeto acabou se transformando numa verdadeira “fábrica de armas” de argila.
Confesso que não sei se naturalmente, essa necessidade, essa quase pulsão, cederia com o tempo. Por várias razões, não podíamos “pagar para ver”.
Durante algumas supervisões então, discutimos exaustivamente essa questão, até optarmos pela criação de uma espécie de projeto dentro do projeto, no qual, nosso principal objetivo seria a transformação desse cotidiano de violências, dentro do qual essas crianças estavam inseridas, em ações e produtos que além expressarem esse triste cotidiano, fosse também capaz de indicar possibilidade de mudanças em seus olhares e consequentemente em suas perspectivas de futuro. Criamos então um projeto de dois dias, ao qual demos o nome de “Transformação das armas”. Resumidamente, o programa promove a transformação do que é real em expressão e arte.

“Transformação das armas”.
Exercícios

Objetivos:
Concretizar e desconstruir o objeto e a palavra: ARMA. (objetivo)
Transformar: NUM LIVRE DESEJO. (subjetivo)

Resumo do processo:
Desconstruir e transformar:
Palavra, forma e função.

Sensibilização: Estória contada – “Os três lobinhos e o porco mau”
Esta estória foi escolhida devido a inversão, que faz dos lobos as vítimas e o porquinho o algoz. Induzindo assim os participantes a repensar os valores constituídos.

Exercícios preparados:
Para transformação da palavra.
• “Desconstrução da palavra”
Desconstrução das letras que compõem a palavra A R M A, para estudo de novas construções.
Promoção de experiências de inversão que simbolicamente podem promover inversão de pensamentos.
Além da simples desordem para nova ordem, oferecemos possibilidades de criar formas variadas para as quatro letras que poderão ser produzidas pelo processo de:
a- “Letras em argila” . A proposta promove a transferência das letras (A, R M, A) em argila para o gesso, obtendo-se um resultado rebatido e de alto para baixo relevo.
b- “Impressão de texturas” . Técnica simples em que se coloca um papel sobre um elemento texturado qualquer ou com pequeno volume (como recortes de cartolina ou barbante) e com a ajuda de um lápis cera deitado e friccionado sobre o papel, registra-se nele a textura do elemento escolhido. Para isso, pode-se rasgar, recortar cartolinas finas com tesouras ou mesmo com auxilio de estiletes (esses, usados somente pelos orientadores).

• “Construção poética”
A partir da livre associação, produzir uma seqüência de palavras que são anotadas pelo orientador.
Exemplo: (essa associação é apenas um exemplo).
Arma me lembra tiro.
Tiro me lembra dor.
Dor me lembra barriga.
Barriga me lembra neném.
Neném me lembra começo.
Começo me lembra vida.
E assim por diante...
As palavras em negrito são a “construção poética”.

• “O buraco do tiro”
Cada aluno recebe a palavra ARMA impressa com grandes letras que ocupam o maior tamanho de uma folha de papel ofício. Com o uso de uma cartolina preta previamente preparada (furada no centro com um círculo de aproximadamente 6 cm de diâmetro), cada criança desliza o orifício da cartolina recebida, sobre a palavra ARMA, até escolher um conjunto de linhas ou formas (que por não estarem completas, se tornarão abstratas) para a realização de um novo trabalho (pintura ou desenho) que tenha estas linhas como referência.



Para transformação da forma e da função.
Proposta 1:
• “A transformação de um objeto”.
1- Construção realista. “A arma como me lembro que é”. (forma representada)
Os alunos são incentivados a produzir em argila “armas” como eles lembram que elas são.
2- Construção imaginária. “A arma que produz o que eu gosto”. (forma e função transformada).
Nesse caso, criar em argila uma nova forma com uma nova função para a arma.
Apresentar o trabalho falando sobre a função criada para ele. Registros filmados e fotografados pelos orientadores

• “Transformação mímica de um objeto” (neste caso, foi escolhido um objeto semelhante à uma arma) (função).
No meio de um circulo formado pelos alunos, é colocado um objeto que poderá ser usado numa pequena cena individual improvisada, na qual o objeto obrigatoriamente perde sua função inicial, para pantomimicamente ganhar outro significado.


Programa, resultados e avaliações:


Aula 1/ Programa e resultados:
Na primeira aula as propostas foram apresentadas da seguinte maneira:

1- Estória contada – “Os três lobinhos e o porco mau”
2- “A transformação de um objeto” Construção realista. A arma como me lembro que é.
3- Livre associação de sentimentos a partir de uma arma.
4- Transformação mímica de um objeto.
5- Construção imaginária. “A arma que produz o que eu gosto”.
6- Apresentação individual para o grupo sobre as soluções desenvolvidas

Avaliação:
1- Boa relação com a estória.
2- Participação da maioria, com visível demonstração de surpresa de muitos frente à proposta pouco convencional. Algumas resistências pelo comprometimento religioso de alguns alunos.
Muitos demonstraram um grande apego ao objeto construído (arma), dificultando o momento 5.
3- Grande participação.
4- Participação foi bastante dinâmica, provavelmente por já conhecerem esse exercício, quando então “transformaram” uma flauta nos mais variados objetos. Ao final a ferramenta foi apresentada com sua função original e o gestual correspondente para a sua utilização.
5- Grande dificuldade, frente à idéia de criação de “uma arma diferente” ou a transformação da “arma como me lembro que é”. Helio e um dos professores apresentaram seus medos e possíveis idéias de combate a esses medos, quando então houve razoável participação das crianças.
Helio criou uma “arma para combater a amargura”, aproveitando o papel de uma bala de tamarindo que uma aluna lhe deu, ainda durante a contação da estória. A “bala de argila” enrolada passou a ser então munição da “arma inventada” pelo Helio. Pode ter ajudado.
6- Devido ao constrangimento de alguns e a possível falta de atenção e respeito da “platéia”, os alunos que “transformaram”, foram entrevistados e filmados como se fossem cientistas ou inventores famosos, explicando suas invenções.
Os filmes e fotos realizados serão mostrados para todos os alunos ao término deste ciclo de exercícios.


Aula 2/ Programa e resultados:
1- Com a intenção de criarmos um link com a semana anterior, o livro da estória contada “Os três lobinhos e o porco mau” e a estranha ferramenta de escultura usada para a “transformação de um objeto” ficaram disponíveis sobre a mesa para contato com os que foram chegando. Ao começarem as novas propostas esses materiais foram recolhidos.
2- Esclarecimento a todos do motivo dessas duas semanas dedicadas ao tema “arma”. Algo como:
A violência, o medo, o que muitos já assistiram e assistem, todas as dificuldade impostas, o que se deixa de fazer por conta dos tiros e que por isso, muitos querem fazer armas no projeto, etc...
3- Construção poética a partir da livre associação.
4- Desconstrução das letras que compõem a palavra A R M A, para estudo de novas construções.
Criar formas variadas para as quatro letras, que poderão ser produzidas pelo processo de:
a- “Impressão de texturas”. Com cartolina e auxilio de tesouras e estiletes (na mão dos professores).
b- Letras em argila com transferência para o gesso, para se obter o resultado rebatido e em baixo relevo.Pintura das placas realizadas em gesso.
5- Fotos e filmagem para apresentação aos alunos na semana seguinte.

Avaliação:
1- Ok manusearam os materiais expostos.
2- Foi bastante importante e de certa maneira ajudou-os a organizarem o assunto internamente além de possibilitar a verbalização de algumas opiniões.
3- Resultou num trabalho muito forte, bonito e de grande mobilização de quase todos.
4- O processo da bi para a tridimensão foi fundamental e claramente complementar.
A qualidade dos produtos criados foi tão boa além de terem proporcionado muito orgulho para muitos foram valorizados de várias maneiras por todos nós.
Na semana seguinte os trabalhos em gesso foram pintados. Os resultados foram apresentados numa pequena mostra semanas mais tarde.

Obs: Não sentimos necessidade de apresentar o exercício “O buraco do tiro”. O impacto das outras atividades sobre eles já havia sido forte e suficiente para as mudanças positivas que se seguiram.

TRANSFORMAÇÃO DAS ARMAS